"ad infinitum"

O que arrebatou Adel Souki foi a idéia de infinito. Idéia que ela encontrou na palestra de Borges1 sobre as histórias inventadas e reunidas em diversas versões e edições e conhecidas como “As Mil e Uma Noites”. A beleza deste nome encantou Borges, para quem “de Mil” é quase sinônimo de infinito e “Mil e Uma” é ir além do infinito. Ainda segundo o escritor argentino, os arábes dizem que ninguém pode ler “As Mil e Uma Noites” até o fim. Não por tédio, mas porque se sente que o livro é infinito. Os árabes dizem e Borges reafirma: Trata-se de um livro tão vasto que não é preciso lê-lo. Ele é parte prévia de nossa memória”.

O que encantou Borges, envolveu Adel.
As Mil Moradas e Uma também estão inscritas em nosso cotidiano, em nossas memórias, em nossos corpos, em todos os nossos sentidos. E, assim como o livro, enredam tramas, fantasias, sonhos, tristezas, alegrias, devaneios, mistérios, rituais. E, mesmo porque não formam um texto, também não precisam e não podem ser lidas. As Moradas se apresentam a partir de Mil e Uma mãos, infinitas idéias. São moradas imaginadas, sonhadas, vividas e construídas por crianças e jovens da cidade, da periferia e da zona rural. Foi com elas que Adel compartilhou seu desejo de construção de Mil Moradas e Uma, um projeto que só faz sentido com o outro, no coletivo, na troca e na generosidade de cada um que se dispôs a aceitar o desafio de fazer a Uma morada. Apenas Uma, além das outras Mil, construída com argila e a partir de escutas, apropriações, transformações e desprendimentos. Tudo no plural, mas demarcado por singularidades, subjetividades.

As Mil Moradas e Uma definitivamente não se fecham. Pelo contrário, o espaço se dilui impregnado de vozes, atravessando muros e paredes descobertas, e reverbera pelas memórias suscitadas e gravadas no processo de modelagem do barro, na construção das Moradas. Os ruídos, as conversas e os comentários, que compõem a instalação, reativam alguns caminhos percorridos pelas crianças e jovens e chegam até aqui para nos levar até lá, não sei exatamente onde. Voyeurisme? Acho que não... Me parece mais um deslocamento provocado pela intenção de compartilhar experiências ad infinitum.

Juliana Gouthier
Artista Plástica e professora da Escola de Belas Artes da UFMG

1Borges, Jorge Luís. Sete Noites. São Paulo: Editora Max Limonad Ltda., 1987 (p.69 a 88)